Pular para o conteúdo
Home » Blog » Tensão de Hubble: O Enigma Cósmico que Desafia a Física

Tensão de Hubble: O Enigma Cósmico que Desafia a Física

O cosmos é um palco de mistérios profundos, e um dos mais instigantes da cosmologia moderna é a Tensão de Hubble. Imagine que você tem duas réguas superprecisas para medir a velocidade com que o universo está se expandindo, mas elas insistem em dar resultados diferentes. Essa é, em essência, a crise que está forçando os cientistas a repensarem o nosso modelo padrão do universo.

No primeiro parágrafo, a Tensão de Hubble se apresenta como um enigma cósmico que não é apenas uma briga de números, mas sim um convite para a descoberta de uma física completamente nova. Recentemente, astrônomos usaram uma variedade de telescópios, incluindo o poderoso Observatório W. M. Keck, o Telescópio Espacial James Webb (JWST) e o Hubble (HST), para fazer uma das medições mais independentes e precisas da taxa de expansão atual do universo. O resultado? Ele reforça a discórdia, aprofundando o mistério e nos lembrando que o universo pode ser muito mais estranho do que pensamos.

Imagem do Telescópio Espacial James Webb mostrando um campo profundo do aglomerado de galáxias MACS J1149.5+2223, capturado pela NIRCam. A cena revela galáxias em diferentes cores e formatos, incluindo espirais azuladas, elípticas esbranquiçadas e galáxias avermelhadas extremamente distantes destacadas pelo infravermelho. Os dados fazem parte do levantamento CANUCS, que permitiu identificar a galáxia CANUCS-LRD-z8.6, vista 570 milhões de anos após o Big Bang. Créditos: NASA/ESA/CSA.
Campo profundo do aglomerado MACS J1149.5+2223 observado pela NIRCam do Telescópio Espacial James Webb. As longas exposições do levantamento CANUCS revelam galáxias em diferentes estágios evolutivos, incluindo objetos extremamente distantes realçados pelos tons avermelhados. Foi nessa região paralela do aglomerado que pesquisadores encontraram a galáxia CANUCS-LRD-z8.6, vista apenas 570 milhões de anos após o Big Bang.
Créditos: NASA/ESA/CSA.

A Constante de Hubble: O Medidor da Expansão Cósmica

Para entender a Tensão de Hubble, precisamos primeiro falar sobre a Constante de Hubble (H₀). Batizada em homenagem ao astrônomo Edwin Hubble, que a calculou pela primeira vez em 1929, essa “constante” é a taxa na qual o universo se expande. Ela é a chave mestra que revela não apenas a velocidade de crescimento atual do cosmos, mas também sua idade e sua história.

Contudo, o nome “constante” é um pouco enganador. A taxa de expansão do universo muda ao longo do tempo. O que chamamos de Constante de Hubble é, na verdade, o valor dessa taxa hoje. Além disso, quase um século depois da descoberta de Hubble, os cientistas ainda não conseguem concordar em seu valor exato.

A medição da expansão do universo pode ser feita de duas maneiras principais, e é aí que a confusão começa.

Edwin Hubble com um cachimbo na boca, olhando para frente. Ao fundo, uma nebulosa brilhante, representando sua contribuição para a astronomia e a descoberta da expansão
Edwin Powell Hubble foi um astrônomo norte-americano. Hubble teve papel crucial no estabelecimento dos campos da astronomia extragaláctica e na cosmologia observacional.

Duas Medidas, Um Enigma: Universo Primordial vs. Universo Tardo

A primeira forma de medir a H₀ é olhando para o universo quando ele era apenas um bebê, cerca de 380 mil anos após o Big Bang. Dessa forma, os cientistas usam a Radiação Cósmica de Fundo em Micro-ondas (CMB), o brilho residual do Big Bang, capturada por missões como o satélite Planck. Ao aplicar o Modelo Padrão da Cosmologia (conhecido como Lambda-CDM), que descreve a evolução do universo, eles extrapolam a taxa de expansão para os dias atuais. Essa abordagem do universo primordial favorece um valor de H₀ em torno de 67 km/s/Mpc (quilômetros por segundo por megaparsec).

Por outro lado, a segunda forma de medição é mais direta, olhando para o universo tardio (o universo local, como ele existe hoje). Os astrônomos usam a chamada “escada de distâncias cósmicas”, que se baseia em objetos como as estrelas variáveis Cefeidas e as Supernovas Tipo Ia, que funcionam como “velas padrão” para medir distâncias. Assim, essas medições locais apontam para uma taxa de expansão mais rápida, em torno de 73 km/s/Mpc.

A diferença entre 67 e 73 pode parecer pequena, mas em termos cosmológicos, é um abismo. Essa discrepância é a famosa Tensão de Hubble. Portanto, se a diferença não for um erro de medição, ela indica que o nosso modelo cosmológico, que tem sido incrivelmente bem-sucedido, está incompleto.

Gráfico ilustrando medições cosmológicas da taxa de expansão do universo. Linhas e pontos representam valores do constante de Hubble obtidos por meio de cosmografia de atraso de tempo usando lentes gravitacionais fortes. As medidas atuais aparecem em desacordo com as previsões baseadas no universo jovem, destacando a chamada “tensão de Hubble”. Créditos: W. M. Keck Observatory / Adam Makarenko.
A tensão de Hubble ganha mais um reforço observacional

Pesquisadores utilizando a técnica de cosmografia de atraso de tempo — que mede como a luz de fontes distantes é distorcida e atrasada por lentes gravitacionais — confirmaram de forma independente que a taxa atual de expansão do universo (Constante de Hubble, H₀) não coincide com os valores previstos a partir de medições do universo primordial.

Essa discrepância, conhecida como Tensão de Hubble, pode indicar que existe nova física atuando além do modelo cosmológico padrão.

Créditos: W. M. Keck Observatory / Adam Makarenko.

A Escada de Distâncias Cósmicas: Desvendando o Universo Local

Para entender por que a medição do universo tardio aponta para um valor mais alto, precisamos mergulhar na Escada de Distâncias Cósmicas. Assim, os astrônomos usam uma série de “degraus” para medir distâncias cada vez maiores no cosmos. É um trabalho de detetive que exige precisão e paciência.

O primeiro degrau envolve as Cefeidas, estrelas variáveis que pulsam em um ritmo diretamente ligado à sua luminosidade intrínseca. Dessa forma, ao medir o período de pulsação de uma Cefeida, os cientistas sabem o quão brilhante ela realmente é. Comparando esse brilho real com o brilho que vemos aqui na Terra, eles conseguem calcular a distância até a galáxia que a hospeda.

O segundo degrau são as Supernovas Tipo Ia. Essas explosões estelares catastróficas são consideradas “velas padrão” porque todas atingem aproximadamente o mesmo pico de luminosidade. Além disso, elas são tão brilhantes que podem ser vistas em galáxias muito distantes. As Cefeidas são usadas para calibrar a distância até as galáxias que contêm Supernovas Tipo Ia. Enquanto isso, as Supernovas, por sua vez, são usadas para medir a expansão do universo em escalas ainda maiores.

A precisão dessas medições é altíssima, graças a telescópios como o Hubble. Contudo, o fato de que essa medição local (cerca de 73 km/s/Mpc) diverge da previsão do universo primordial (cerca de 67 km/s/Mpc) é o que gera a Tensão de Hubble. É como se a previsão de crescimento de uma criança (o universo primordial) não batesse com a altura que ela realmente atingiu (o universo tardio).

Cosmografia de Atraso de Tempo: Uma Nova Régua Cósmica

Para tentar resolver esse impasse, os astrônomos buscam métodos de medição totalmente independentes. O estudo que deu origem a este artigo utilizou uma técnica engenhosa chamada cosmografia de atraso de tempo.

Imagine uma lente de aumento cósmica. Galáxias massivas atuam como lentes gravitacionais, curvando e distorcendo a luz de objetos mais distantes, como quasares, e criando múltiplas imagens do mesmo objeto. Enquanto isso, se o brilho do objeto distante mudar, os astrônomos podem medir o tempo que leva para essas mudanças aparecerem em cada uma das imagens.

Esses “atrasos de tempo” funcionam como réguas cósmicas. Eles permitem que os cientistas calculem as distâncias no universo e, por fim, determinem a velocidade com que ele está se expandindo.

O estudo recente, que envolveu dados do KCWI (Keck Cosmic Web Imager), JWST, HST e VLT, confirmou de forma independente que a taxa de expansão atual do universo não corresponde às previsões do universo jovem. Além disso, o uso da espectroscopia poderosa do KCWI foi crucial. Ao observar o movimento das estrelas dentro das galáxias que atuam como lentes, o instrumento revelou a massa dessas galáxias e a força com que elas curvam a luz.

Segundo Tommaso Treu, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles e um dos autores do estudo, “O que muitos cientistas esperam é que este seja o começo de um novo modelo cosmológico.”

O Papel das Lentes Gravitacionais e a Precisão da Medição

O grande avanço dessa pesquisa reside na forma como ela lidou com a principal fonte de incerteza em medições de lentes gravitacionais, conhecida como “degenerescência massa-folha”. Dessa forma, a equipe usou o movimento das estrelas nas galáxias-lente para resolver essa ambiguidade, elevando a precisão da medição.

Contudo, a precisão alcançada pela equipe é de 4,5%. Embora seja um feito extraordinário, ainda não é suficiente para confirmar a discrepância além de qualquer dúvida. O próximo objetivo é refinar essa precisão para menos de 1,5%, um nível de certeza que, como notou Martin Millon, um dos autores, é “provavelmente mais preciso do que a maioria das pessoas sabe a própria altura”.

Lente gravitacional da Ferradura Cósmica. O buraco negro ultramassivo recém-descoberto está localizado no centro da galáxia laranja. Bem atrás dela, há uma galáxia azul que está sendo deformada em um anel com formato de ferradura devido às distorções no espaço-tempo causadas pela imensa massa da galáxia laranja em primeiro plano. Crédito: NASA/ESA
Lente gravitacional da Ferradura Cósmica. O buraco negro ultramassivo recém-descoberto está localizado no centro da galáxia laranja. Bem atrás dela, há uma galáxia azul que está sendo deformada em um anel com formato de ferradura devido às distorções no espaço-tempo causadas pela imensa massa da galáxia laranja em primeiro plano.

Crédito: NASA/ESA

O Modelo Padrão em Crise: A Necessidade de uma Nova Física

A persistência da Tensão de Hubble sugere que “a cosmologia como a conhecemos pode estar quebrada”, como afirmou John O’Meara, Cientista Chefe do Observatório Keck. Se a tensão não for um erro de medição, teremos que inventar uma nova física para explicar o que está acontecendo.

O Modelo Padrão da Cosmologia, ou Lambda-CDM, é a nossa melhor descrição de como o universo evoluiu. Ele se baseia na Relatividade Geral de Einstein e assume que o universo é composto por 5% de matéria comum, 25% de Matéria Escura e 70% de Energia Escura. Contudo, a Tensão de Hubble é o primeiro grande desafio a esse modelo que não pode ser facilmente descartado como erro de observação.

Quais são as possíveis soluções para esse quebra-cabeça?

  1. Energia Escura Primordial: Uma das hipóteses é que o universo passou por uma fase de “energia escura primordial” logo após o Big Bang, que acelerou brevemente a expansão. Isso alteraria a taxa de expansão inicial, mas não afetaria as medições locais.
  2. Matéria Escura Mais Complexa: Outra possibilidade é que a Matéria Escura e a Energia Escura, que juntas compõem cerca de 95% do universo, sejam muito mais complexas do que o Modelo Padrão assume. Assim, nossa compreensão simplificada desses componentes estaria atrapalhando a interpretação das medições.
  3. Nova Física: A mais empolgante das possibilidades é que a Tensão de Hubble aponte para partículas ou forças ainda desconhecidas. Portanto, a busca por essa nova física é o sonho de todo cientista, pois nos permitiria descobrir algo novo e profundo sobre a natureza do cosmos.

A Tensão de Hubble nos leva a pensar que estamos ignorando algo fundamental. É como se tivéssemos um mapa do universo que funciona perfeitamente em 95% do tempo, mas falha miseravelmente nos 5% restantes.

Imagem mostra a região central do aglomerado de galáxias Bullet Cluster, formada por duas enormes concentrações de galáxias. O Telescópio Espacial James Webb registra centenas de galáxias e estrelas em luz infravermelha, enquanto dados em raios X do Observatório Chandra aparecem sobrepostos em rosa, revelando gás quente. Regiões em azul indicam o mapa de matéria escura obtido a partir das observações do Webb, mostrando a separação incomum entre gás, estrelas e matéria escura. Créditos: NASA/ESA/CSA/STScI/CXC.
Região central do Bullet Cluster, onde duas enormes estruturas de galáxias colidem. As galáxias observadas pelo Telescópio Espacial James Webb aparecem em luz infravermelha, enquanto o gás quente detectado pelo Chandra surge em rosa. As áreas em azul representam a distribuição da matéria escura, revelada por medições precisas do Webb. Essa separação entre gás e matéria escura é uma das evidências mais fortes da existência da matéria escura.
Créditos: NASA, ESA, CSA, STScI, CXC; Pesquisa: James Jee, Sangjun Cha e Kyle Finner.

Tabela de Comparação: Medições da Constante de Hubble

Para visualizar o dilema, a tabela a seguir resume as duas principais abordagens de medição que geram a Tensão de Hubble:

Abordagem de MediçãoUniverso ObservadoValor da H₀ (aproximado)Instrumentos ChaveImplicação
Universo PrimordialRadiação Cósmica de Fundo (CMB)67 km/s/MpcSatélite Planck, WMAPBase do Modelo Padrão (Lambda-CDM)
Universo TardoCefeidas, Supernovas Ia, Lentes Gravitacionais73 km/s/MpcHubble, JWST, Keck, VLTSugere a necessidade de Nova Física

A diferença de 6 km/s/Mpc pode parecer pequena, mas é estatisticamente significativa e aponta para uma falha em nossa compreensão fundamental do cosmos.

O Futuro da Cosmologia: A Busca pela Precisão

A comunidade científica está em uma corrida para refinar as medições e entender a origem da Tensão de Hubble. O objetivo é reduzir a margem de erro para menos de 1,5%, o que confirmaria a discrepância de forma irrefutável.

Novos projetos e telescópios, como o Telescópio Espacial Nancy Grace Roman da NASA, estão sendo desenvolvidos com a capacidade de observar Supernovas Tipo Ia e Cefeidas com uma precisão sem precedentes. Portanto, a próxima década promete ser decisiva para a cosmologia. Se a tensão persistir, teremos a certeza de que o universo nos reservou uma surpresa, e que a nova física está à espreita.

Ilustração do Telescópio Espacial Nancy Grace Roman da NASA, mostrando seu formato cilíndrico, o espelho primário de 2,4 metros e seus dois instrumentos — o Wide Field Instrument e o Coronagraph Instrument. A imagem destaca o design criado para bloquear luz indesejada do Sol, da Terra e da Lua, permitindo observações em infravermelho com alta sensibilidade. Créditos: NASA Goddard Space Flight Center / Scientific Visualization Studio.
Ilustração oficial do Telescópio Espacial Nancy Grace Roman, projetado pela NASA para estudar energia escura, exoplanetas e o universo em infravermelho. Com um espelho primário de 2,4 metros e um campo de visão 100 vezes maior que o do Hubble, o Roman vai oferecer imagens altamente detalhadas por meio do Wide Field Instrument e do Coronagraph Instrument.
Créditos: NASA Goddard Space Flight Center / SVS

Este mistério cósmico é um convite para olharmos para o céu com ainda mais curiosidade. A Tensão de Hubble não é um problema, é uma porta para a próxima grande revolução na física.

Se você se inspira com os enigmas do universo e quer acompanhar essa jornada de descobertas, venha fazer um Rolê no Espaço!

Visite nosso site para mais histórias incríveis: www.rolenoespaco.com.br e siga-nos no Instagram: @role_no_espaco.

FAQ sobre a Tensão de Hubble

O que é a Tensão de Hubble? A Tensão de Hubble é a discrepância entre as medições da taxa de expansão do universo (a Constante de Hubble) feitas no universo primordial (cerca de 67 km/s/Mpc) e as medições feitas no universo tardio (cerca de 73 km/s/Mpc).
Quem foi Edwin Hubble? Edwin Hubble foi o astrônomo que, em 1929, calculou pela primeira vez a taxa de expansão do universo, dando origem ao conceito da Constante de Hubble.
Por que a Constante de Hubble não é realmente “constante”? O termo “Constante de Hubble” se refere à taxa de expansão do universo no momento atual. Essa taxa muda ao longo do tempo cósmico, por isso o termo é tecnicamente um parâmetro, não uma constante imutável.
O que é cosmografia de atraso de tempo? É um método independente para medir a taxa de expansão do universo que usa lentes gravitacionais (galáxias massivas que curvam a luz) para calcular distâncias cósmicas através da medição do tempo que a luz leva para percorrer diferentes caminhos.
A Tensão de Hubble significa que o Modelo Padrão da Cosmologia está errado? A persistência da Tensão de Hubble sugere que o Modelo Padrão da Cosmologia (Lambda-CDM) está incompleto. Ela pode ser a primeira evidência de uma nova física ainda não descoberta, como uma forma mais complexa de Energia Escura.
Qual é o valor da Constante de Hubble que causa a tensão? Os dois valores principais que causam a Tensão de Hubble são aproximadamente 67 km/s/Mpc (do universo primordial) e 73 km/s/Mpc (do universo tardio).
O que é um megaparsec (Mpc)? Um megaparsec é uma unidade de distância usada em astronomia, equivalente a cerca de 3,26 milhões de anos-luz. A Constante de Hubble é expressa em quilômetros por segundo por megaparsec (km/s/Mpc).

Indicação de Leitura

Gostou do nosso artigo? Então, continue conhecendo as missões da ESA / NASA que mudaram a astronomia. Dando sequência à sua jornada pelo espaço, explore as diversas missões da ESA / NASA, descubra as tecnologias inovadoras envolvidas e entenda como a exploração espacial está transformando a ciência e impactando diretamente o nosso cotidiano. Muitas dessas inovações, sem dúvida, têm suas raízes na astronomia!

Sugestões de Links Internos (Inbound)

Sugestões de Links Externos (Outbound):

Fonte: Artigo “Astronomers Sharpen the Universe’s Expansion Rate, Deepening a Cosmic Mystery” publicado em keckobservatory.org

Marcações:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *