Cultivar alimentos em outros mundos sempre pareceu coisa de ficção científica, mas a ciência está transformando esse sonho em realidade. Pesquisadores descobriram que uma combinação inusitada de fungos microscópicos, fertilizantes e até resíduos humanos processados pode ser a chave para fazer plantas crescerem no regolito lunar e marciano. Essa descoberta promete mudar completamente a forma como planejamos missões espaciais de longa duração.

O Desafio de Cultivar Fora da Terra
Quando pensamos em estabelecer bases humanas na Lua ou em Marte, uma pergunta crucial surge: como alimentar os astronautas? Transportar toda a comida necessária da Terra seria extremamente caro e impraticável para missões prolongadas. Além disso, cada quilograma adicional na carga útil representa custos astronômicos de lançamento.
Laura Lee, doutoranda em ciência planetária e astronomia na Universidade do Norte do Arizona, inspirou-se no filme Interestelar para investigar essa questão. Assim como o filme retrata plantações morrendo em solos deteriorados, Lee começou a imaginar como poderíamos enriquecer o solo extraterrestre para sustentar colheitas essenciais.
O regolito, aquela camada solta de poeira e fragmentos rochosos que cobre a superfície lunar e marciana é fundamentalmente diferente do solo terrestre. Enquanto nossas plantas terrestres prosperam em solos ricos em nutrientes orgânicos, o regolito lunar praticamente não contém carbono ou nitrogênio, elementos essenciais para o crescimento vegetal.

Os 17 Elementos Essenciais para a Vida Vegetal
Para sobreviver, as plantas precisam de exatamente 17 elementos específicos. O carbono, hidrogênio e oxigênio formam a celulose, que compõe as paredes celulares. Portanto, sem esses componentes básicos, nenhuma planta consegue desenvolver sua estrutura fundamental. O nitrogênio é responsável pelas folhas verdes e viçosas, enquanto o fósforo estimula o crescimento de raízes robustas que proporcionam estabilidade.
Contudo, o regolito lunar apresenta um problema adicional: mesmo o fósforo presente não está em uma forma utilizável pelas plantas. Dessa forma, simplesmente plantar sementes no solo lunar não funcionaria sem algum tipo de intervenção.

A Solução Vem de Milwaukee
Lee testou duas fontes diferentes de nitrogênio em seus experimentos. Primeiramente, utilizou um fertilizante sintético à base de ureia, comum em jardins domésticos. Além disso, experimentou algo bem mais inusitado: Milorganite, um biosólido rico em nitrogênio produzido a partir do processamento de resíduos humanos da população de Milwaukee, Wisconsin.
A escolha do Milorganite não foi aleatória. Futuros astronautas em missões a outros planetas certamente produzirão resíduos biológicos, e transformar esse “problema” em solução faz todo sentido. Por outro lado, isso não aumentaria significativamente o peso da carga útil, já que os resíduos seriam gerados naturalmente durante a missão.
Steve Elardo, geoquímico planetário da Universidade da Flórida, comparou essa abordagem ao filme Perdido em Marte, no qual o personagem principal fertiliza o solo marciano com resíduos da tripulação. “Se você compostar e tornar seguro, isso deve fornecer um fertilizante muito bom”, explica.
O Poder Oculto dos Fungos Microscópicos
Enquanto isso, Lee também investigou o papel das micorrizas arbusculares — uma conexão simbiótica microscópica entre certos fungos e raízes de plantas. Esses fungos funcionam como extensões das raízes, criando uma rede que aumenta drasticamente a capacidade da planta de absorver água e nutrientes, especialmente fósforo.
Jess Atkin, doutoranda em biologia espacial na Texas A&M, descreve esses fungos como “uma cola no solo”, proporcionando estabilidade adicional. Nessa relação simbiótica, a planta fornece carbono ao fungo, que por sua vez transfere nutrientes essenciais de volta para a planta.

Resultados Surpreendentes nos Experimentos
Os resultados dos experimentos de Lee revelaram padrões fascinantes. Nas amostras de simulante lunar, as plantas cultivadas com Milorganite tenderam a crescer maiores, porém as que receberam fertilizante à base de ureia apresentaram maior taxa de sobrevivência ao longo das 15 semanas de crescimento.
Por outro lado, quando os fungos foram adicionados às amostras lunares, algo notável aconteceu: independentemente da fonte de nitrogênio utilizada, todas as plantas cresceram mais do que nos experimentos apenas com fertilizante. Além disso, as plantas cultivadas com fungos e Milorganite apresentaram níveis mais elevados de clorofila nas folhas, indicando maior saúde vegetal.
No simulante marciano, os desafios foram ainda maiores. Contudo, uma única planta conseguiu sobreviver na combinação de Milorganite com micorrizas arbusculares, e esse sobrevivente produziu os níveis mais altos de clorofila entre todas as plantas testadas, além de gerar mais biomassa do que qualquer outra planta cultivada no regolito marciano.
O Dilema Ético da Contaminação Biológica
Naturalmente, surge uma questão ética importante: devemos introduzir micro-organismos em ambientes extraterrestres? Lee reconhece essa preocupação, mas aponta que futuros astronautas inevitavelmente levarão micro-organismos através de seus próprios microbiomas. Além disso, 96 sacos de resíduos humanos já foram deixados na superfície lunar, distribuídos entre os seis locais de pouso das missões Apollo.
Simulantes Versus Regolito Real
Enquanto Lee utilizou simulantes sintéticos em seus experimentos, pesquisas anteriores demonstraram diferenças significativas entre esses materiais e o regolito real. Em 2022, uma equipe que incluía Elardo conseguiu cultivar Arabidopsis thaliana em amostras reais de regolito lunar coletadas durante as missões Apollo 11, 12 e 17. Entretanto, as plantas mostraram sinais claros de estresse.
“Elas cresceram, mas não estavam particularmente felizes”, relata Elardo. O mesmo tipo de planta produziu raízes e brotos saudáveis quando cultivada em simulantes lunares, demonstrando que os simulantes não capturam completamente a química dos regolitos extraterrestres. Além disso, os grãos reais de regolito lunar são extremamente afiados e pontiagudos, dificultando o progresso das delicadas raízes.

O Futuro da Agricultura Extraterrestre
Portanto, essas descobertas representam um passo crucial rumo à autossuficiência humana em outros mundos. A combinação de fertilizantes biológicos, fungos simbióticos e técnicas inteligentes de gestão de recursos pode tornar viável o cultivo de alimentos em ambientes hostis.
Assim, estamos cada vez mais próximos de estabelecer colônias autossustentáveis na Lua e em Marte. A pesquisa de Lee será apresentada na Reunião Anual da AGU em dezembro de 2025, oferecendo novos insights sobre como podemos transformar solos extraterrestres em terras férteis.
Essa revolução agrícola espacial não apenas tornará possível a exploração humana de longo prazo, mas também pode nos ensinar novas técnicas para melhorar a agricultura aqui na Terra, especialmente em regiões com solos degradados ou pobres em nutrientes.
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Perguntas Frequentes Sobre Agricultura Espacial e o uso de Fungo e Resíduos Humanos na Lua
O que é regolito lunar e marciano?
Regolito é a camada solta de poeira e fragmentos rochosos que recobre a superfície da Lua, de Marte e de outros corpos planetários. Diferente do solo terrestre, ele não possui matéria orgânica, água líquida ou nutrientes essenciais para o crescimento de plantas.Por que não podemos simplesmente levar solo da Terra para o espaço?
Levar solo da Terra é inviável porque cada quilograma enviado ao espaço custa milhares de dólares. Missões de longa duração exigiriam toneladas de material, tornando o transporte economicamente proibitivo.Como os fungos ajudam as plantas a crescerem no espaço?
Fungos micorrízicos arbusculares criam uma rede simbiótica nas raízes, ampliando enormemente a capacidade das plantas de absorver água e nutrientes, especialmente fósforo, que é escasso fora da Terra.É seguro usar resíduos humanos como fertilizante no espaço?
Sim, desde que passem por um processo controlado de compostagem. O material resultante, chamado biossólido, é rico em nitrogênio e matéria orgânica, funcionando como fertilizante eficiente e sustentável.Quais plantas podem ser cultivadas na Lua ou Marte?
Experimentos já mostraram que milho e Arabidopsis thaliana conseguem crescer em substratos simulados. Plantas mais resistentes e com menores exigências nutricionais tendem a ter melhor desempenho em ambientes extremos.Já existem plantas crescendo em regolito lunar real?
Sim. Em 2022, cientistas cultivaram Arabidopsis thaliana em amostras reais das missões Apollo. As plantas cresceram, mas apresentaram estresse significativo devido à composição química e à abrasividade do regolito.Quando veremos fazendas funcionando na Lua?
Apesar dos avanços, ainda precisamos de bases permanentes, sistemas fechados de suporte de vida e tecnologias avançadas de cultivo. Fazendas lunares devem se tornar realidade apenas nas próximas décadas.Indicação de Leitura
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Fonte: Artigo”Fungi, Fertilizer, and Feces Could Help Astronauts Grow Plants on the Moon” Publicado em eos.org
