A jornada pelo cosmos é uma caçada incessante por mistérios, e o Telescópio Espacial James Webb (JWST) se tornou o nosso detetive cósmico mais afiado. Logo no início da investigação, a Estrela Wolf-Rayet Apep se apresentou como um dos alvos mais intrigantes. Nomeado em homenagem ao deus egípcio do caos, Apep é um sistema estelar que, de fato, faz jus ao seu nome. O que parecia ser um par de estrelas envoltas em uma única concha de poeira se revelou um balé gravitacional complexo, envolvendo três estrelas e um espetáculo de quatro espirais de poeira. O Webb não apenas confirmou a natureza caótica deste sistema, mas também nos deu a primeira visão nítida de sua complexidade, reescrevendo o que sabíamos sobre a vida e a morte de estrelas massivas.

O Espiral Gigante de Poeira Cósmica: O Que o Webb Viu
O que o Webb fez foi, nas palavras de um dos pesquisadores, como “entrar em um quarto escuro e acender a luz”. Observações anteriores, feitas por outros telescópios, haviam detectado apenas uma única concha de poeira ao redor da Estrela Wolf-Rayet Apep. Contudo, o JWST, com sua capacidade incomparável de observar o universo no infravermelho médio, revelou quatro conchas de poeira em espiral, uma se expandindo para além da outra em um padrão perfeitamente repetitivo. A quarta concha, quase transparente, mal aparece nas bordas da imagem, mas está lá, confirmando a periodicidade deste fenômeno.
Esta poeira não é um material qualquer. Ela é rica em carbono amorfo, um tipo de fuligem estelar que consegue reter calor por mais tempo, mesmo enquanto viaja para longe das estrelas. É exatamente por isso que o instrumento MIRI (Mid-Infrared Instrument) do Webb foi crucial. A luz emitida por esses grãos de poeira, embora “quentes” para os padrões espaciais, é extremamente fraca. Apenas a sensibilidade do MIRI, operando no espaço, pôde capturar esta assinatura.
As conchas de poeira são, na verdade, a “impressão digital” de um evento cósmico que se repete há cerca de 700 anos. Elas foram ejetadas ao longo do tempo pelas duas estrelas Wolf-Rayet centrais. O Telescópio James Webb nos permitiu medir com precisão a localização desses anéis e, ao combinar esses dados com observações de velocidade de expansão feitas pelo Very Large Telescope (VLT) no Chile, os cientistas conseguiram calcular a órbita das estrelas.

O Balé Gravitacional: O Encontro Raro das Estrelas Wolf-Rayet
O que torna o Sistema Estelar Apep tão fascinante é a sua órbita. As duas estrelas Wolf-Rayet centrais giram uma em torno da outra em um período incrivelmente longo: 190 anos. Para colocar isso em perspectiva, a maioria dos sistemas binários Wolf-Rayet conhecidos tem órbitas que variam entre dois e dez anos. O próximo sistema com a órbita mais longa conhecida leva cerca de 30 anos para completar uma volta.
Durante a maior parte desses 190 anos, as estrelas estão distantes. No entanto, quando elas se aproximam, elas passam cerca de 25 anos em um “abraço” cósmico. É neste período de proximidade que a mágica da poeira acontece. Os ventos estelares poderosos e rápidos, que fluem de ambas as estrelas, colidem violentamente. Essa colisão cria uma zona de choque onde o material se resfria e se condensa, formando grandes quantidades de poeira rica em carbono, que é então ejetada para o espaço.
O Mistério da Terceira Estrela: A Faca Cósmica
A complexidade do sistema não para nas duas estrelas Wolf-Rayet. O Webb confirmou que há, na verdade, três estrelas ligadas gravitacionalmente. A terceira estrela é uma supergigante massiva que orbita o par central a uma distância maior.
Esta terceira estrela desempenha um papel surpreendente: ela age como uma “faca cósmica”. Enquanto as conchas de poeira se expandem para fora, a órbita da supergigante faz com que ela “fatie” a poeira, abrindo buracos em cada uma das nuvens em expansão. Se você olhar para a imagem do Webb, é possível traçar um formato de “V” ou funil que se repete em todas as conchas, indicando a passagem constante deste terceiro corpo.
Segundo os pesquisadores, a descoberta do Webb foi a “arma fumegante” que provou que a terceira estrela está, de fato, ligada ao sistema. Embora a existência de uma terceira estrela fosse conhecida desde 2018, as observações do Webb levaram a um modelo geométrico atualizado, confirmando a conexão gravitacional. Portanto, o caos de Apep é, na verdade, um balé triplo perfeitamente orquestrado.

Créditos: NASA, ESA, CSA, STScI; Ciência: Yinuo Han (Caltech), Ryan White (Macquarie University); Processamento: Alyssa Pagan (STScI)
O Destino Explosivo: Supernovas e o Futuro de Apep
As estrelas Wolf-Rayet são gigantes que vivem rápido e morrem jovens. Elas são incrivelmente raras; estima-se que existam apenas cerca de mil delas em toda a Via Láctea. O sistema Apep é ainda mais raro, pois é o único exemplo conhecido em nossa galáxia que contém duas estrelas Wolf-Rayet deste tipo.
Inicialmente, as duas Wolf-Rayet eram mais massivas do que a supergigante, mas elas já perderam a maior parte de sua massa através de seus ventos estelares intensos. Atualmente, as Wolf-Rayet devem ter entre 10 e 20 vezes a massa do Sol, enquanto a supergigante pode ter entre 40 e 50 vezes a massa solar.
O futuro destas estrelas é dramático. Eventualmente, ambas as Estrela Wolf-Rayet Apep explodirão como Supernovas. Este é um dos eventos mais energéticos do universo, ejetando o conteúdo estelar para o espaço e enriquecendo a galáxia com elementos pesados. Além disso, há a possibilidade de que uma ou ambas as estrelas emitam um Buraco Negro ou um Explosão de Raios Gama (GRB) antes de colapsarem. Um GRB é um flash de energia tão poderoso que pode ser detectado a bilhões de anos-luz de distância.
Apep, portanto, não é apenas um espetáculo de poeira e gravidade; é um laboratório cósmico que nos permite estudar os processos que levam à formação de alguns dos fenômenos mais extremos do universo.
O Caos em Ordem
O Telescópio James Webb transformou nossa visão da Estrela Wolf-Rayet Apep, revelando um sistema triplo complexo e um espetáculo de poeira que se desenrola ao longo de séculos. O que aprendemos com Apep nos mostra que o universo está cheio de sistemas estelares bizarros e poderosos, operando em escalas de tempo e complexidade que mal podemos imaginar.
A ciência, muitas vezes, encontra ordem onde antes só víamos caos. Apep, o deus egípcio da desordem, agora nos ensina sobre a física precisa das colisões de ventos estelares e das órbitas longas. A cada nova imagem do Webb, o cosmos se torna mais nítido e, ao mesmo tempo, mais misterioso.
O que mais o Webb nos reserva? Quais outros balés gravitacionais estão escondidos sob a poeira cósmica, esperando que a luz infravermelha os revele?
Se você curtiu essa viagem pelas estrelas caóticas de Apep e quer continuar explorando os mistérios do universo, venha fazer um Rolê no Espaço com a gente!
Visite: www.rolenoespaco.com.br
E siga-nos no Instagram: @role_no_espaco
Perguntas Frequentes (FAQ) James Webb e a estrela Apep
O que é a Estrela Wolf-Rayet Apep?
A Estrela Wolf-Rayet Apep é um sistema estelar triplo extremamente raro, composto por duas estrelas Wolf-Rayet e uma supergigante massiva, localizado na Via Láctea. É conhecido por ejetar grandes conchas de poeira em espiral.Quantas estrelas formam o sistema Apep?
O sistema Apep é formado por três estrelas ligadas gravitacionalmente: um par binário de estrelas Wolf-Rayet e uma terceira estrela supergigante que orbita o par.O que o Telescópio James Webb descobriu sobre Apep?
O Telescópio James Webb descobriu que o sistema Apep possui quatro conchas de poeira em espiral, e não apenas uma como se pensava. Além disso, confirmou a órbita longa de 190 anos do par Wolf-Rayet e o papel da terceira estrela em “fatiar” a poeira.Qual o futuro do sistema estelar Apep?
O futuro do sistema Apep é explosivo. As duas estrelas Wolf-Rayet centrais estão destinadas a explodir como Supernovas, podendo deixar para trás Buracos Negros ou emitir uma poderosa Explosão de Raios Gama (GRB).Por que Apep é um sistema tão raro?
Apep é raro porque é o único sistema conhecido em nossa galáxia que contém duas estrelas Wolf-Rayet do tipo produtor de poeira, com uma órbita excepcionalmente longa de 190 anos.O que são as conchas de poeira de Apep?
As conchas de poeira de Apep são nuvens de carbono amorfo ejetadas pelas duas estrelas Wolf-Rayet quando seus ventos estelares colidem durante a passagem próxima, um evento que se repete a cada 190 anos.Indicação de Leitura
Gostou do nosso artigo? Então, continue conhecendo as missões da ESA / NASA que mudaram a astronomia. Dando sequência à sua jornada pelo espaço, explore as diversas missões da ESA / NASA, descubra as tecnologias inovadoras envolvidas e entenda como a exploração espacial está transformando a ciência e impactando diretamente o nosso cotidiano. Muitas dessas inovações, sem dúvida, têm suas raízes na astronomia!
Sugestões de Links Internos (Inbound)
- Parker Solar Probe registra imagens mais próximas já feitas do Sol
- Entenda o que é Astronomia.
- Inteligência Artificial e NASA se Unem para Prever Eventos Solares
- Proba-3: A Missão da ESA Que Criará o Primeiro Eclipse Solar Artificial da História
Sugestões de Links Externos (Outbound):
Todos os créditos de imagem Reservados à NASA.
Imagens, dados e informações utilizadas nesta matéria são de propriedade da NASAe foram disponibilizadas para fins educacionais e informativos.
Fonte: Artigo “Webb First to Show 4 Dust Shells ‘Spiraling’ Apep, Limits Long Orbit” publicado em nasa.gov
