Imagine só: Marte, o planeta vermelho que hoje vemos com suas duas pequenas luas, pode ter abrigado no passado um satélite natural muito maior. Além disso, essa lua gigante teria sido capaz de gerar marés em corpos d’água marcianos, algo que nem Fobos nem Deimos conseguem fazer atualmente. Essa é a fascinante descoberta que cientistas estão prestes a apresentar na reunião anual da União Geofísica Americana (AGU), e ela muda completamente nossa compreensão sobre a história do planeta vermelho.
A evidência? Camadas finas e alternadas de rochas sedimentares encontradas na cratera Gale, onde o rover Curiosity vem explorando desde 2012. Essas formações geológicas podem contar uma história de 3,8 bilhões de anos atrás, quando Marte era um mundo bem diferente.

O Que o Curiosity Descobriu nas Rochas Marcianas
Enquanto explorava a região de Vera Rubin Ridge, nas encostas do Monte Sharp, o Curiosity capturou imagens detalhadas de um afloramento rochoso durante quatro dias marcianos no final de 2017 e início de 2018. Portanto, usando a câmera Mars Hand Lens Imager — que consegue captar imagens com resolução de até 13,9 micrômetros por pixel — os cientistas identificaram algo extraordinário.
As imagens revelaram camadas repetitivas e finas, alternando entre tons claros e escuros. Dessa forma, os pesquisadores interpretaram essas formações como ritmitos de maré, ou seja, sedimentos depositados pelo movimento regular das marés. Contudo, aqui está o problema: as luas atuais de Marte são pequenas demais para gerar esse tipo de atividade.
Ritmitos de Maré: A Assinatura das Antigas Marés
O afloramento estudado tinha cerca de 35 centímetros de comprimento e 20 centímetros de espessura. As bandas individuais variavam de submilímetros a milímetros, com faixas claras mais largas alternando com faixas escuras e mais finas. Segundo Ranjan Sarkar, cientista planetário do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar, “nosso estudo fornece evidências sedimentares do caso de ritmitos depositados por marés, sugerindo uma lua maior no passado de Marte”.
Assim, essa descoberta se alinha com a hipótese de que Marte teve repetidamente luas maiores que foram destruídas pela força gravitacional em anéis, os quais posteriormente se reformaram em luas sucessivamente menores. Por outro lado, alguns pesquisadores argumentam que esses padrões poderiam ter outras explicações.

O Debate Científico: Marés ou Estações?
Nem todos os ritmitos são formados por marés. Bob Craddock, geólogo do Museu Nacional do Ar e Espaço, que não participou do estudo, sugere que “os ritmitos finamente laminados nesta cratera são muito provavelmente varves, ou depósitos que refletem mudanças sazonais no clima”. Dessa forma, durante os meses mais quentes, mais água fluiria para o lago, produzindo camadas de sedimento mais espessas.
Entretanto, Sarkar discorda dessa interpretação. Ele explica que varves anuais normalmente mostram simples pares claro-escuro, mas as observações em Gale mostram bandas alternadas grossas-finas com lâminas escuras pareadas. Além disso, esses padrões são comumente usados como marcadores de assinaturas sedimentares de marés na Terra.
A Dificuldade de Provar a Hipótese
“É muito complicado”, admite Suniti Karunatillake, geólogo e geofísico da Universidade Estadual da Louisiana e membro da equipe. “Não podemos ser decisivos, então nosso argumento é de consistência”. Enquanto isso, a equipe continua analisando outros locais na cratera Gale que parecem mostrar ritmos de maré similares.
Portanto, qualquer inconsistência entre os locais poderia contestar o modelo e possivelmente refutá-lo. Por outro lado, qualquer concordância fortaleceria o argumento de uma antiga lua grande.
Calculando o Tamanho da Lua Perdida
Se realmente existiu uma lua causando marés, quão grande ela seria? A equipe estima que as camadas foram depositadas com um ciclo “mensal” de aproximadamente 30 dias. Assim, mesmo que Fobos ou Deimos estivessem muito mais próximos de Marte do que estão hoje, nenhum deles seria massivo o suficiente para criar tal ciclo de maré.
Dessa forma, combinando as novas descobertas com modelagens de pesquisadores anteriores, a equipe calculou que as marés foram causadas por um corpo com pelo menos 18 vezes a massa de Fobos, orbitando a uma altitude de cerca de 3 vezes o raio de Marte. “Esse é nosso cálculo preliminar”, diz Karunatillake. “Qualquer coisa menor seria difícil de induzir esse tipo de atividade de maré, especialmente considerando que a cratera Gale é bastante pequena como corpo d’água na escala planetária”.

A Possibilidade de Conexão Subterrânea
Além disso, existe outra possibilidade intrigante. Se houvesse uma conexão entre a cratera Gale e o antigo oceano do norte marciano, uma lua menor poderia causar a atividade de maré observada. Contudo, nenhuma conexão superficial foi encontrada ainda. Entretanto, mesmo uma ligação subterrânea — semelhante à rede de cavernas e túneis inundados sob a Península de Yucatán na Terra que se conecta ao Mar do Caribe — seria suficiente. “Existem casos em que você obtém variações de maré no interior, desde que haja uma conexão subsuperficial com o oceano”, explica Karunatillake.
O Mistério das Luas Marcianas
Por décadas, cientistas planetários têm debatido as origens de Fobos e Deimos. A teoria original sugeria que eram asteroides capturados, mas não é fácil para um planeta capturar até mesmo um asteroide, muito menos dois. Portanto, essa explicação sempre pareceu problemática.
Alguns estudos recentes propuseram que Marte originalmente tinha uma lua maior — seja um asteroide capturado ou uma formada por um impacto gigante inicial. Assim, esse corpo poderia ter sido pulverizado pela gravidade de Marte ou por sua própria colisão, formando um anel que então deu origem a luas menores. Por fim, tal cenário poderia ter ocorrido múltiplas vezes ao longo da história marciana.

Evidências no Solo Marciano
“Nosso estudo fornece evidências reais do solo, a partir de periodicidades de lâminas medidas, para a lua maior prevista e hipotética no passado”, afirma Sarkar. Dessa forma, pela primeira vez, temos não apenas modelos teóricos, mas observações diretas que apoiam essa hipótese fascinante.
O Que Vem a Seguir na Investigação
Os pesquisadores estão considerando conduzir um estudo detalhado de mecânica celeste para refinar suas estimativas de massa, distância e período orbital da lua proposta. Além disso, eles estão examinando dois outros locais na cratera Gale que parecem mostrar ritmos de maré similares.
Enquanto isso, a comunidade científica aguarda ansiosamente a apresentação completa dos resultados na reunião da AGU em dezembro. Se confirmada, essa descoberta não apenas reescreverá a história das luas marcianas, mas também oferecerá novas perspectivas sobre como corpos d’água existiam no antigo Marte.
Uma Janela para o Passado Aquático de Marte
Essas camadas de rocha sedimentar em Gale Crater representam muito mais que simples formações geológicas. Elas são, na verdade, um registro preservado de um tempo em que Marte era um mundo com lagos, possivelmente oceanos, e talvez até um sistema de luas mais complexo do que imaginávamos.
Por outro lado, a existência de marés sugere um ambiente dinâmico, com água se movimentando regularmente. Assim, isso tem implicações importantes para a habitabilidade antiga do planeta vermelho. Marés podem misturar nutrientes, criar zonas intertidais ricas em química complexa e, portanto, potencialmente favorecer o surgimento de vida.
Além disso, se Marte teve ciclos de luas sendo destruídas e reformadas, isso indica uma história geológica muito mais ativa e violenta do que previamente pensado. Cada impacto gigante, cada lua fragmentada, cada anel planetário temporário — todos esses eventos teriam afetado profundamente o clima, a geologia e possivelmente até a evolução de qualquer vida que pudesse ter existido.
E você, acredita que Marte abrigou uma lua gigante no passado? Essa descoberta nos lembra que ainda há muito a aprender sobre nosso vizinho vermelho. Enquanto aguardamos mais dados do Curiosity e futuras missões, uma coisa é certa: Marte continua surpreendendo.
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Perguntas Frequentes
Quais são as luas atuais de Marte?
Marte possui duas pequenas luas: Fobos (a maior) e Deimos (a menor). Ambas são irregulares e muito menores que a Lua da Terra.O que são ritmitos de maré?
Ritmitos de maré são camadas sedimentares depositadas pelo movimento regular das marés. Elas formam padrões alternados que registram os ciclos de maré ao longo do tempo.Quando a cratera Gale tinha um lago?
As evidências sugerem que a cratera Gale continha um lago há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, durante o período Noachiano de Marte.Como uma lua pode ser destruída por gravidade?
A força gravitacional de um planeta exerce atração diferente nas faces próxima e distante de uma lua. Se a lua estiver muito próxima, essa diferença pode superar a força que mantém a lua coesa, fragmentando-a.O rover Curiosity ainda está ativo em Marte?
Sim, o Curiosity continua explorando a cratera Gale desde seu pouso em 2012, fornecendo dados valiosos sobre a geologia e história marciana.Por que essa descoberta é importante?
Ela fornece evidências físicas de que Marte teve uma lua maior no passado, apoiando teorias sobre a evolução do sistema marciano e oferecendo insights sobre ambientes aquáticos antigos.Outras crateras marcianas mostram sinais similares?
Os pesquisadores estão investigando outros locais na cratera Gale e potencialmente em outras regiões de Marte para confirmar se esses padrões de ritmitos são comuns no registro geológico marciano.Indicação de Leitura
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Fonte: Artigo “https://eos.org/articles/sediments-hint-at-large-ancient-martian-moon” publicado em eos.org
